Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Fernando Pessoa



5 de mai. de 2010

Alena Lazarena



CAVALHEIRO SÓ


Os jovens homossexuais e as mocinhas amorosas,
E as longas viúvas que sofrem de insônia delirante,
E as jovens senhoras há trinta horas emprenhadas,
E os gatos roufenhos que atravessam meu jardim em trevas,
Como um colar de palpitantes ostras sexuais
Rodeiam minha casa solitária,
Inimigos jurados de minha alma,
Conspiradores em traje de dormir,
Que trocaram a senha grandes beijos espessos.

O verão radiante conduz os namorados
Em uniformes regimentos melancólicos
Feitos de gordos magros e alegres tristes pares:
Sob os coqueiros elegantes, junto ao mar e à lua,
Há uma vida continua de calças e galinhas,
Um rumor de meias de seda acariciadas,
E seios femininos a brilhar como dois olhos.

O pequeno empregado, depois de tanta coisa,
Depois do tédio semanal e das novelas lidas na cama toda noite,
Seduziu sua vizinha inapelavelmente
E a leva agora a cinemas miseráveis
Onde os heróis são porcos ou são príncipes apaixonados
E lhe acaricia as pernas, véu macio,
Com suas mãos ardentes, úmidas que cheiram a cigarro.

As tardes do sedutor e as noites dos esposos
Se unem, dois lençóis que se sepultam,
E as horas de após almoço em que os jovens estudantes
E as jovens estudantes, e os padres se masturbam,
E os animais fornicam sem rodeios
E as abelhas cheiram a sangue e zumbem coléricas as moscas,
E os primos brincam de estranho jeito com as primas,
E os médicos olham com fúria o marido da jovem paciente,
E as horas da manhã nas quais, como que por descuido, o professor
Cumpre os seus deveres conjugais e desjejua,
E inda mais os adúlteros, que com amor verdadeiro se amam
Sobre leitos altos, amplos como embarcações:
Seguramente, eternamente me rodeia
Este respiratório e enredado grande bosque
Com grandes flores e com dentaduras
E raízes negras em forma de unhas e sapatos.


Pablo Neruda