Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Fernando Pessoa



21 de mar. de 2010

Richard Young



PRIMÍCIAS


Começo pelo começo
bem calmo nesse arremesso,

e a boa velocidade
vem nos dedos sem alarde.

A pressa que traz desastres
está fora desse catre

e a cama dos seus desejos
é dela e dos meus arpejos.

Música de descoberta
é a que vem tão aberta

que sabe a chave da cela
inventando-se janela.

Sabe soltar essa fera
presa na teia da espera:

breve sopro no pescoço
toque macio no dorso.

As mãos em concha nos seios
colinas do meu passeio

sou cuidadoso alpinista
sei do mamilo a conquista.

A língua meu artefato
se atiça com muito tato

vai do ouvido ao seu regaço
e lúbrica banha o espaço.

O tempo se perde inteiro
num relógio sem ponteiros.

Já o disse certa vez
nas curvas da sensatez.

Os sons que saltam do corpo
úmidos de tanto rogo

se abafam num bafo quente
vapor de tesão fremente.

Há mistérios nas palavras
que nem a memória grava

são do instante a liberdade
que o vulgar vem sem as grades.

É quando desço ao regato
revelando no meu trato

o retrato e seu reflexo
toda a magia do sexo.

E o beijo mais escolhido
pousa nos pêlos tecidos

crespa canção guardiã
do milagre da manhã.

E ligeira se aligeira
a serpente mais rasteira

de língua manemolente
amaciando o presente.


Anibal Beça