Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Fernando Pessoa



4 de dez. de 2009

Edward Hopper


Não quero ser o último a comer-te


Não quero ser o último a comer-te.
Se em tempo não ousei, agora é tarde.
Nem sopra a flama antiga nem beber-te
aplacaria sede que não arde

em minha boca seca de querer-te,
de desejar-te tanto e sem alarde,
fome que não sofria padecer-te
assim pasto de tantos, e eu covarde

a esperar que limpasses toda a gala
que por teu corpo e alma ainda resvala,
e chegasses, intata, renascida,

para travar comigo a luta extrema
que fizesse de toda a nossa vida
um chamejante, universal poema.

Em face dos últimos acontecimentos

Oh! Sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
Que o nosso avô português?

Oh ! sejamos navegantes
Bandeirantes e guerreiros
Sejamos tudo que quiserem
Sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
E as mulheres podem doer
Como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
De tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
Fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
Que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso a teu vizinho,
Ao condutor

a teu vizinho,
Ao condutor do teu bonde,
A todas as criaturas
Que são inúteis e existem,
Propõe ao homem de óculos
E à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
Não quereis ser pornográficos?


Carlos Drummond de Andrade